Uma lição para RH

Revista Melhor, Edição 273
Uma lição para RH
Uma verdadeira revolução educacional no Nordeste mostra como é possível imaginar um país melhor
Thais Gebrim
Há dez anos, um grupo de empresários se uniu para restaurar o prédio do Ginásio Pernambucano, tradicional escola pública do Recife (PE). Liderada pelo então presidente da Philips na América Latina, Marcos Magalhães, que hoje preside o Instituto de Co- Responsabilidade pela Educação (ICE), a iniciativa evoluiu para um novo modelo de gestão do ensino médio, que forma os jovens não só academicamente, como também para enfrentar o mundo do trabalho e, o que é mais importante, a vida. O modelo deu tão certo que extrapolou as fronteiras daquele estado. Uma injeção de ânimo para quem aposta na educação de qualidade para o desenvolvimento pleno e sustentável do país. Na entrevista a seguir, Magalhães fala das razões e dos resultados de sua iniciativa.
O que o motivou a se dedicar a um projeto como esse?
Do ensino básico � universidade, sou um produto da escola pública. Estudei no Ginásio Pernambucano, instituição fundada em 1825 que era padrão de qualidade na região e formou grande parte da elite nordestina. O prédio havia sido evacuado e estava abandonado. Então, arregimentei um grupo de empresários [além da própria Philips, da Odebrecht, do ABN Amro e da Chesf - Companhia Hidrelétrica do São Francisco] para reformá-lo. Dois anos depois, quando estava quase pronto, concluímos que só devolvê-lo ao poder público não era suficiente. Tínhamos de criar um fato novo. No meio empresarial, já havia o consenso de que o Brasil só vai avançar adequadamente se tiver uma população educada. Começamos, então, a desenvolver um modelo de gestão focado no adolescente da escola pública, considerando todas as suas deficiências, como o fato de pertencerem a famílias de baixa renda e possuírem baixo nível de ambição.

Em vista do crescimento econômico do país, a qualidade da educação, hoje, é uma responsabilidade ainda maior da iniciativa privada?
A responsabilidade é de todos nós, mas os empresários não podem assumir o papel do gestor público. Historicamente, as empresas recebem profissionais sem a qualificação adequada e gastam verdadeiras fortunas para qualificá-los no básico, que já deveriam trazer da escola. O Brasil carrega nas costas uma ineficiência de produtividade intrínseca ao baixo nível de escolaridade da população. Para dar uma ideia da relevância disso, nos EUA, a consultoria Mckinsey fez uma conta interessante. Lá, os jovens hispânicos e negros têm uma defasagem de aprendizagem de dois a três anos em relação aos brancos. Se esse atraso tivesse sido eliminado nos últimos dez anos, o PIB americano hoje seria 700 bilhões de dólares maior. A escolaridade média naquele país é de 14 anos. Imagine, então, o impacto da educação no Brasil, cuja média é de sete anos. Queremos crescer numa faixa de 5% ao ano, mas já apresentamos apagão de mão de obra; portanto, temos de trabalhar juntos para assegurar que a qualidade do ensino público melhore de forma efetiva.

Além de mudar o modelo pedagógico, o projeto estabelece cumprimento de metas e atrela remuneração a resultados. Até que ponto a semelhança com a gestão de uma empresa contribui para o sucesso da iniciativa?
Tenho dois entendimentos sobre isso. O primeiro é que, a cada dia, a escola se parece mais com a empresa e a empresa se parece mais com a escola, porque ambas são ambientes de aprendizagem. Além disso, a gestão de uma escola é extremamente complexa e aí já surge um problema. No Brasil, não existem cursos para formar diretores de escolas. Em geral, ele é um professor, sem formação em gestão, administração ou planejamento. O diretor de escola tem de liderar a equipe administrativa, os professores, alunos, pais dos alunos e a comunidade no seu entorno e atender às frequentes demandas, em geral extemporâneas, dos políticos. A metodologia que criamos é um pilar fundamental desse processo, porque treinamos desde as equipes da Secretaria de Educação até os diretores e professores. Criamos a Tecnologia Empresarial Sócio-Educacional (Tese), plataforma para que o modelo pedagógico funcione com eficiência. A partir dela, é possível estabelecer metas, objetivos, métricas, sistemas de bonificação e de acompanhamento.

O governo pernambucano transformou o programa em política pública, avalizando sua continuidade. Como garantir a perenidade em outros estados?
O ICE tem uma espécie de cartilha de obrigações na qual um dos itens fundamentais é que seja aprovada uma lei criando o programa. Com isso, tem-se um arcabouço jurídico que permite implementar as mudanças necessárias a uma educação diferenciada.

Dá para exemplificar os resultados que vêm sendo obtidos?
Atualmente, o modelo está presente em160 escolas de Pernambuco, 60 do Ceará, 18 do Piauí e três de Sergipe. Temos tido um índice de 50% a 60% de aprovação nos vestibulares de boas universidades - a média das escolas públicas é inferior a 10% -, e as notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) [divulgado ano passado] estão substancialmente acima das médias de Pernambuco, do Nordeste, do Brasil e do melhor estado, que foi o Rio Grande do Sul.
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