Faltou honestidade na educação de muita gente
Isabel Clemente - Revista Época - 23/11/2014 - Rio de Janeiro, RJ
Esse conceito essencial deveria constar do manual básico sobre criação de filhos
Criar filhos felizes é a meta de todos. Queremos entregar ao mundo pessoas bem resolvidas e capazes de correr atrás dos próprios sonhos. Para obter sucesso, temos à nossa disposição informações sobre o que funciona e não funciona. Mas criança é uma folha em branco e sempre será. Ela aprende o tempo todo por palavras, gestos e omissões - esse misterioso tripé do exemplo.
Então, me pergunto quais foram os exemplos cruciais na formação das ex-crianças que estão aí mostrando como a prática da corrupção ficou entranhada na engrenagem de um país.
Eu me pergunto onde foi que erraram os pais dessas ex-crianças que prometeram devolver os milhões de dólares roubados quando ninguém estava olhando. Eu me pergunto de onde vem a falha de caráter desses que desviam, mentem, fraudam e acumulam pelo vício de ter cada vez mais. O que eles aprenderam em casa sobre honestidade, conceito que deveria vir `de berço`, se berço não for expressão em desuso? Não me refiro a origem supostamente nobre ou humilde de uma pessoa, mas da casa de onde ela saiu. É na casa, em família, que conversas íntimas prosperam e lições elementares são passadas e repassadas diariamente.
A gente ensina nossos filhos a se importarem com os outros quando limpamos a tábua da privada no banheiro público, depois de segurá-los no alto para fazer xixi. A gente ajuda nossos filhos a desenvolverem noção de coletividade quando explicamos que eles não podem pegar doces demais da mesa do aniversário - além de passar mal, vão deixar menos para outras crianças. Há uma incrível oportunidade de conversar sobre ética quando não deixamos eles furarem filas e os obrigamos a procurar o dono do `brinquedo sem dono`. Contribuímos com a formação de uma pessoa honesta ao dizer para ela, ainda pequena, que é errado se apropriar daquilo que não lhe pertence, qualquer que seja o valor. O senso de Justiça é plantado na cabecinha de uma criança quando mostramos a ela a importância de não monopolizar o balanço no parque quando há outras crianças esperando a vez. E mais: que não adianta fingir que não viu. Eis aí um tema sobre o qual você não irá errar se for rígido demais. Ensinar honestidade deveria constar do mais básico dos manuais sobre educação de filhos.
Nada impede que uma pessoa aprenda, sozinha, a lição esquecida em casa. Alicerces frouxos são milagrosamente trocados por bases sólidas quando o tempo, esse sábio professor, ministra suas aulas. Tudo é possível. Honestidade não é diferenciar o certo do errado, ideias que podem mudar de lugar diante das armadilhas que a vida nos apresenta. Honestidade é uma virtude que se exercita com o outro. Ela vive nos detalhes da vida em comunidade e sobrevive até quando fazemos escolhas erradas para nós mesmos. Por isso, seja honesto, meu filho.