Professora da FAJ publica artigo em jornal de circulação regional

A professora Ranielle Caroline de Sousa, advogada, bacharel em Direito pela UFG, mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB, professora de Direito Constitucional da FAJ, teve artigo, publicado no jornal O ALBOR, que circula no município de Itaberaí e região, em sua edição de maio de 2012. A Faculdade de Jussara parabeniza a docente pela publicação de seu trabalho.

 

Constituição e ética: porque falar em política

 

Já dizia Bertolt Brecht, o pior analfabeto é o analfabeto político: “Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas”.

 É muito comum, ainda mais em um ano eleitoral, duas posturas que, aparentemente são contrárias: participar de acalorados debates sobre este e aquele candidato, ou  virar a cara para o assunto, afinal “futebol, política e religião não se discute”. Só que, enquanto não se discute, só se vira a cara, ou enquanto se personaliza o debate, é cada vez mais comum escândalos políticos, denúncias, investigações, casos de corrupção, notícias sobre descaso com a coisa pública e com os cidadãos. Exemplos históricos e atuais não faltam. E, o mais grave e paradoxal é que todos, mesmo os que se recusam a discutir sobre o assunto, são afetados, direta ou indiretamente.

E, a cada novo escândalo e cena de corrupção, não faltam discursos e pedidos por ética na política.  “Ética na política” é um bordão dito por todos que se cansaram dos recorrentes escândalos na cena pública.

Mas, mais uma vez, ninguém parece questionar a respeito de que ética se está falando. Não há uma ponderação séria a respeito do que seria ética na política. E, este não debate, esconde a capacidade que esta afirmação tem de perpetuar precisamente o que parece combater.

O debate sobre ética não pode recair sobre a escolha de uma pessoa. O bordão “ética na política” reduz o problema a termos individuais de uma melhor escolha. A escolha popular, feita pelo voto, deveria recair sobre pessoas de boa moral, honestas, éticas, preocupadas com o bem comum e capazes de administrar a coisa pública com estes princípios. Só que, a ética não pode ser singular e individualizada, não pode ser qualidade de uma pessoa isolada. Ser correto é um suposto moral básico para o exercício de qualquer atividade pública.

A reflexão sobre ética na política não pode ser feita fora da relação entre moral, ética, política e direito. E, portanto, não pode ser feita fora do âmbito constitucional.

A política requer a contribuição do direito, tanto quanto o direito requer a contribuição da política. A Constituição define o direito (direitos fundamentais), define a política (o Estado) e os articula. Se cumprida, permite que a política forneça efetividade ao direito (não é possível garantir o direito a saúde, por exemplo, sem a aprovação do orçamento pela câmera municipal e sem o hospital público, ou seja, sem a política) e dele receba legitimidade (a poder público só vai ser legítimo se agir dentro dos limites da lei). A relação entre ética e política deve ser feita pelo direito.

A maioria dos escândalos que vivenciamos hoje são manifestações genuínas de antigas práticas presentes há muito tempo em nossa herança patrimonial. São exemplos daquilo que Raymundo Faoro descreve, em Os Donos do Poder, como prática patrimonialista, caracterizada pela absoluta indiferença entre os bens públicos e os domínios privados. Ou seja, a apropriação e gestão do aparato burocrático do Estado com o objetivo de enriquecimento privado dos donos do poder e de seus protegidos.

Não é possível resolver o problema afirmando que esta ou aquela pessoa é ética, honesta e de boa moral. Também não é possível não discutir, no âmbito da política, saúde, educação, moradia, segurança, ou qualquer outro direito fundamental do qual necessitamos todos os dias. Impõe-se romper com a naturalização de práticas de corrupção para com elas não somente nos escandalizarmos, mas exigirmos que o direito se aplique por mais altas que sejam as autoridades que as tenham praticado.

Hoje, todas as tradições constitucionais compartilham, a partir leituras distintas, o critério universal dos direitos humanos. E os direitos humanos fornecem os requisitos básicos para a prática reflexiva de uma ética republicana e democrática. E é este mesmo conteúdo de direitos humanos que fornece para a regulação jurídica aquilo que deve ser coibido com punições eficazes porquanto práticas políticas inadmissíveis, desde os crimes eleitorais até as hipóteses de perda de mandato político por falta de decoro ou crime de responsabilidade.

Desta forma, ética na política não se resume a postura ética de uma pessoa, mas a postura ética, de respeito aos direitos fundamentais resguardados pela Constituição, que todos aqueles que lidam com a coisa pública devem ter. De forma a garantir que nenhuma criança fique sem educação, que todos sejam bem atendidos no hospital público, que todos possam dormir com segurança em suas casas, que todos tenham trabalho digno. Enfim, que todos os cidadãos sejam respeitados na sua dignidade humana.

Falar em política é necessário tanto quanto trabalho, moradia, educação, liberdade, vida, saúde, segurança e todos os demais direitos fundamentais são necessários. Mas, é preciso tratar a política de forma ética. E isto só pode ser feito a partir da vivência da Constituição.

 

Ranielle Caroline de Sousa

Advogada

Bacharel em Direito pela UFG

Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB

Professora de Direito Constitucional da FAJ

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